No ano em que se completam cem anos da publicação
do livro Contos Gauchescos, de Simões
Lopes Neto, cabe levantar a discussão que tem sido omitida e poderá passar para
os anais da história literária como um equívoco, para não dizer injustiça. Para
alguns meios de comunicação e também para algumas universidades, Simões Lopes
Neto é o maior vulto do regionalimo gaúcho. Por causa desta afirmativa, já há
muito tempo cultuada, esqueceu-se de dizer à sociedade em geral quando surgiram
as primeiras obras regionalistas, que tratavam dos costumes e tradições da
gente do campo, da figura do gaúcho propriamente dito. E Apolinário Porto
Alegre assim se insere nesta assertiva com sua obra O Vaqueano, um romance publicado pela primeira vez nas páginas da
Revista Mensal do Partenon Literário em 1872. Ali ele aborda pela primeira vez
um tipo social até então ausente da literatura gaúcha: o “vaqueano” —
personificado no livro pela figura de José de Avençal. Publicado pela segunda
vez em 1927 pela Livraria do Globo, O
Vaqueano é uma referência histórica para se entender a formação da
literatura dita regionalista que tem nos Contos
Gauchescos um marco definitivo.
Em Apolinário Porto Alegre, hoje, pouco se fala. A
juventude gaúcha praticamente não o conhece. O busto em sua homenagem, na Praça
Argentina, foi depredado há alguns anos e com o descaso do poder público, tende
a permanecer desta forma. Mas foi através dele e do Partenon Literário — onde
foi o principal fundador — que surgiram as primeiras manifestações
regionalistas na nossa literatura. O historiador Guilhermino César em sua obra História da Literatura do Rio Grande do Sul
assim determina: “Com o Partenon Literário inaugura-se o ciclo da literatura regionalista,
dita gauchesca”. No romance O Vaqueano
aparece pela primeira vez, como fator estético, o homem do campo, tipo social
também presente em outras obras de Apolinário como Paisagens (1875) e A Tapera
(1875), ambos livros de contos. Ele também usou versos regionalistas para
demonstrar seu amor pelo Rio Grande (Bromélias,
de 1874) e exerceu o nobre papel de educador na então Província com a
fundação do Instituto Brasileiro. Consta
de sua bibliografia também a publicação da Lenda O Crioulo do Pastoreio (1875). Influenciador de talentos como Múcio
Teixeira e Alcides Maya, não é de se surpreender que Apolinário tenha granjeado
em certo momento de sua vida até o respeito de vultos como o ex-governador
Julio de Castilhos — na época estudante de Direito em São Paulo — que,
precisando de subsídios para a publicação de um livro sobre a Revolução
Farroupilha, solicita numa carta o seu auxilio, assim se dirigindo ao mestre:
“Não me consta que haja na nossa província quem conheça mais a história da
mesma do que o sr.” Ironicamente, o
fundador do Partenon Literário viria a ser perseguido pelas forças castilhistas
anos depois.
Esteticamente ligado à escola do Romantismo
Brasileiro, Apolinário Porto Alegre deixou suas marcas na história do Regionalismo
rio-grandense como podemos ver nas obras citadas acima, hoje encontradas em
sebos ou bibliotecas. Cabe-nos a reflexão: será Apolinário apenas o precursor
do Regionalismo ou será, de fato, o maior vulto desta literatura regionalista?
Reconhecemos o mérito de João Simões Lopes Neto, autor nascido em Pelotas —
terra natal de outro grande vulto, Lobo da Costa — e que nos deixou clássicos
como Lendas do Sul e Contos Gauchescos. Mas jamais devemos
deixar de rediscutir uma questão que trata da formação da verdadeira literatura
gaúcha. E que teve em Apolinário Porto Alegre, um dos seus maiores defensores.
Quem nunca ouvir falar do Popularium
Sul-rio-grandense?
Trata-se de restabelecer uma verdade ou até mesmo corrigir
uma injustiça histórica. Afinal, estamos falando de primazia das letras
gaúchas. E essa discussão deve ter seu amparo nos meios de comunicação e também
nos meios acadêmicos. Apolinário Porto Alegre foi um dos maiores intelectuais
da história deste estado. Mas a maior parte da sociedade ainda não descobriu
isso.
Benedito
Saldanha
Escritor e Presidente do Partenon Literário